Na quinta-feira, logo que saí do consultório do pediatra (sim, tive que voltar!) fui pescada por um investigador na calçada em frente à delegacia. Eles realmente acham que os repórteres ficam felizes com notícias do tipo: “ó, tem uma mulher morta ali” ou “acabaram de roubar o banco”. No geral, frases como essa vêm acompanhadas de um “corre lá”! Enfim... Mesmo fora do meu horário, estava a poucos metros do local e decidi dar um toque na chefia do jornal e corri até o endereço passado por minha fonte.
Era uma ponte no final da ladeira Liberdade, sobre o Rio Tietê. Embaixo dela estava o corpo de um morador de rua. Um homem de 62 anos – morto, provavelmente, por causa do consumo excessivo de álcool. Mas não é essa a história que mais chamou a minha atenção. Do outro lado da rua, sentado na calçada, estava um rapaz de cara séria, roupas simples, cara de choro e mãos nervosas. Me aproximei. Estendi a mão e me apresentei. A primeira reação dele foi de estranheza. Aos poucos ganhei sua confiança. Logo ele revelou que eram poucas as pessoas que agiam assim com ele, “tratando como gente”, como ele mesmo falou. Comentário que anulou toda e qualquer pergunta que havia premeditado fazer a respeito do corpo que jazia metros dali.
Passado um tempinho perguntei se ele sabia alguma coisa sobre o andarilho. Ele respondeu que era sobrinho do homem e que, juntos, viviam ali há dez anos... Dez anos, metade da minha vida! Dá para imaginar? Sob uma ponte, menos de 30 centímetros sobre o nível do rio, tapadeiras de madeira para inibir a entrada do vento, um fogão improvisado, um montinho de lenha, três panelas e pedaços de colchão. Era tudo que eles tinham.
Depois de pegar mais algumas informações, agradeci e fui embora, prometendo voltar em outra oportunidade.
Hoje, aproveitei que o carro estava parado na garagem, joguei uma cesta básica improvisada no porta-malas e dei uma corrida lá. Chamei uma, duas e só na terceira vez tive resposta. Cláudio, como se apresentou, saiu com uma camisa social limpinha, calças grossas, meias e chinelos. Na mão esquerda um terço de madeira. Travei mais uma vez! Mesmo em meio a tudo aquilo, ele mantinha a fé. Já eu, na menor das adversidades, questiono tudo, inclusive, a existência de uma força maior, uma divindade. Ele me cumprimentou chamando pelo nome. Disse que não se esqueceria da pessoa que estendeu a mão pra ele! Não sou manteiga, mas o nó na garganta apertou. Mostrei a caixa e perguntei se ele tinha mesmo condições de cozinhar naquele local. Ele mostrou a pilha de lenha que havia acabado de buscar e o fósforo que ganhou do dono do posto de gasolina do outro lado da rua. Foi lá, inclusive, que ele guardou a caixa que levei. “Depois que meu tio morreu, entraram aqui e levaram a minha panela de pressão, acredita? Agora, guardo no posto as coisas de mais valor”, contou. Pensei como alguém consegue tirar algo de uma pessoa que tem tão pouco... Não tive resposta!
Precisava voltar ao trabalho, me despedi. Cláudio estendeu a mão e fez aqueles cumprimentos comuns das igrejas. Agradeceu pela cesta, pela conversa e pela dignidade que havia dado a ele naqueles dez minutinhos. Deu um beijo na minha mão e mandou eu me cuidar. "Deus está comigo", falou. Subi a rampa e vi que não eram aqueles três metros de profundidade que me afastavam dele, havia um abismo entre nós. Ainda assim, há uma ponte e basta vontade para transpô-la!
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