terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sociologia nos trilhos


Que o transporte público é um caos, todo mundo sabe, mas para perceber que é possível vivenciar coisas surreais em ônibus, trens e composições do Metrô é necessária uma disposição fora do comum. Em alguns casos é impossível não participar da conversa alheia, compartilhar do gosto musical (duvidoso) de muitos ou até mesmo do cochilo dos mais derrubados. Como esse assunto rende demais, vamos por partes, Jack:

“Seo Cícero”
Quem nunca teve um bom papo sobre toda-e-qualquer-coisa-indo-ou-voltando-do-trabalho-ou-da-facul que atire a primeira pedra! No final da última semana, a caminho do jornal fui pega de surpresa por uma das melhores e mais rápidas conversas do ano (tá, de repente minha vida não esteja tão interessante assim nos últimos tempos!). O diálogo começou mais ou menos assim:

Ô minha filha, dá licença pros ‘boi véio’ sentar perto do capim novo – disse um senhor com cara de bonachão. Ao lado dele um senhor mais discreto, com o rosto bem marcado pelo tempo e os olhos verdes miúdos...

Eles conversaram, no percurso Manoel Feio – Itaquaquecetuba, sobre família, cidade natal, trabalho, filhos e netos. Passados esses dois longos minutos de bate-papo, o homem mais despachado desembarcou. O outro deve ter se empolgado e esticou o papo até mim:

Pois é, minha filha, amigo a gente carrega pra sempre e pra todo lugar!

Foi a primeira vez que prestei atenção na fala dele. “Seo” Cícero, como se apresentou já quando estava indo embora, é natural de Pernambuco, mas tem o sotaque típico das pessoas criadas no Bixiga. No auge dos seus 69 anos, ainda vai todos os dias até a Estação Brás, coordena uma equipe de operários, volta para Suzano, onde almoça com sua “namorada” (Dona Judite, com quem é casado há 45 anos!) e volta para a empresa.

Quando perguntei se não era muito desgastante ir e voltar tantas vezes ele abriu um daqueles sorrisos que ficam na cabeça da gente por muito e muito tempo e respondeu: “Pra ficar com a mulher da vida da gente vale qualquer esforço!”

A história do casamento dele é um “causo” a parte. Cícero contou que estava noivo, de casamento marcado quando foi conhecer alguns parentes mais distantes da futura esposa. Foi aí que encontrou Judite, prima da pretendente. “Ah, larguei tudo e casei com ela. Sabia que era isso ou era isso. Uma hora o peito fala com a gente.”

Saímos do assunto, já que EU não tinha repertório (hahaha) e começamos a conversar sobre carreira, noticiário da tevê, política, saúde, praticamente “A Breve História de Quase Tudo”, de Bill Bryson. Tinham se passado apenas 15 minutos!

Já na Estação de Suzano, “Seo” Cícero estendeu a mão, disse que tinha sido um prazer conhecer uma “jovem que dava atenção aos 'boi véio'”, como disse pouco antes o amigo dele e fez uma última pergunta antes de ir embora: “Sabe qual a maior riqueza do homem?”

Respondi com sinal negativo de cabeça e ele apertou mais uma vez minha mão e disse que não eram as minas de ouro ou diamante, os poços de petróleo, nem nada do tipo. "É o cemitério". Devo ter feito uma cara bem estranha e ele se apressou em explicar. Disse que era lá onde estava toda a fama apreciada pela maioria, "as riquezas do ego", como chamou. Mas também era ali que "estavam a história, o conhecimento, os heróis, quem valia a pena conhecer e ouvir". E completou: "Pena nem todo mundo dar a atenção ao passado ou a quem presenciou os bons tempos da história como você. O mundo pode não estar ficando velho, mas está ficando burro".

Odiei dizer tchau!

Uh, Lady Gaga!

Panes, gente inconveniente, aperto, brigas. Tudo isso vira rotina pra quem depende da CPTM e do Metrô. Na terça, o maravilhoso 4º Trem da Linha Safira, onde estava sonolenta e mal-humorada (novidade) parou entre as estações Engenheiro Goulart e Tatuapé. Do nada, as portas se abriram com o trem em movimento, não sei como nenhuma das sardinhas ali acondicionada não rolou trilho abaixo.

Em seguida, ele parou por completo e fechou as portas. Dez minutos sem nenhum tipo de comunicação entre a cabine do maquinista e as composições. E claro, deu merda! Os passageiros super civilizados (e pouco cansados pela rotina de levantar às 5h e só voltar para casa às 19h, 20h) começaram a quebrar as travas de abertura das portas. Nenhuma delas funcionou.

A sensação de claustrofobia era absurda. Por ter ar condicionado, o vagão era selado, sem uma janela com vão sequer! Cerca de 20 minutos depois, um cara forçou a porta e conseguiu abri-la, o mesmo aconteceu nas composições de trás. Resultado: muita gente na linha. Em meio a tudo isso, cinco celulares tocaram "sucessos" diferentes de Lady Gaga, foram piadas e mais piadas, com direito a imitação e gritinhos histéricos. Fato: ela está em alta, mesmo entre usuários descontentes com os serviços da CPTM!

Solavanco, tombos e o trem começou a andar. Muitos caras pegaram batentes e começaram a depredar  os vagões, irritados por terem descido - vale frisar, que todos por CONTA PRÓPRIA. Outros acionaram o extintor de incêndio, e por fim, um mané gritou: “Foooooooooogo, foooooooooooogo”. Pânico generalizado, corre-corre e o trem trava as portas de novo. Nem a voz sonolenta e calmante do Rômulo Fróes deu jeito na pontada de medo que tomou conta de mim.

Do nada o carro começou a andar, só que de ré. Voltamos à Estação Goulart. Três trens depois, consegui entrar em uma composição tão cheia quando aquela onde estava antes. No Metrô, outra luta.
Cheguei às 9h30 no trabalho de meio período, no qual fico só até o meio-dia. Meu dia foi qualquer coisa, menos produtivo.