segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Estampido

De novo aquele som. De novo aquele cheiro. Não achei que passados dois anos eles seriam tão familiares. O estampido é abafado, quase bobo, diferente dos filmes de cowboy. A pólvora passa em onda, suspensa, densa, ligeira.

Devem ter sido segundos, mas pesaram, um a um, os 826 dias que, hoje, me separam daquela manhã. Houve inércia, vazio, silêncio. Também houve vozes, agitação, um movimento que parecia atravessar meu corpo, do dedo do pé ao cabelo azul, agora descolorido.

Passava do almoço e eu voltava para casa com um sacola de compras. Pedido da minha mãe. Primeiro senti uma corrente de ar. Um homem de camisa xadrez, azul e caramelo, passou à minha direita. Ele corria, corria muito. Percebi que outros se aproximavam. Tudo ficou em câmera lenta. Contei até dois e ouvi o disparo. Mal prendi o ar e o homem de uniforme cinza passou ao meu lado, eram menos de dois palmos que nos separavam. Ele gritava: "Segura esse cara, segura esse cara". Eu só via uma boca que se comportava desritmada em relação ao som que tomava conta do meu corpo.

Acho que as outras pessoas sentiram isso também. Todas se olhavam, mas ninguém se moveu. O policial ganhou a companhia de uma mulher, igualmente uniformizada. Passadas largas e desistência. O homem que corria muito se confundiu com o final da rua. Antes de desaparecer por completo, ele deu uma última olhada para trás. Parecia desafiar seus perseguidores. Ao menos, foi essa a minha sensação.

Sabe aquele papo de um filme passando pela sua cabeça quando algo de muito ruim está prestes a acontecer? Ou, então, que diante de uma situação em que as opções são "ser forte" ou "ser forte" você é capaz de levantar um caminhão? Ou ainda que tudo fica pairando no ar durante um déjà vu? Já vivi tudo isso, por mais batido que soe.

Levei um tempo até achar o caminho de casa. Até descalçar os sapatos. Até deitar em minha cama. Até deixar cair a primeira lágrima. Até pedir ajuda. Sim, precisei de ajuda! Tive colo de mãe. Tive noite quente no ninho da minha infância. Tive um recomeço, mais um. E quero fazer diferente. Tudo, a cada dia.

Escrevi pra derrubar outro tabu, para desmanchar outro clichê. Estou convivendo com meus fantasmas. Estou aprendendo a lidar com os "gatilhos" desse dia que parece não ter fim, com o cheiro da pólvora, com o estampido.

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